I
Venho falar-te do fôlego dos cínicos,
da longa máscara que finge ter mastro,
desses requintados oradores de varizes gourmet.
Dos que descobrem na última curva dos gestos
que foram cítaras com gume.
Sou anzol que sai do útero do poema
para elevar o osso da fala até aos lírios.
Velho merceeiro de colisões.
Atalho entre a pólvora e um revólver.
Sou sede,
hospício a galope na dinamite.
Uma lâmpada muito nítida
que se acende em Victor Hugo.
Encerro o âmago
o oceano como Homero, o Cáucaso
como Ésquilo,
Roma como Juvenal, o inferno como
Dante,
o paraíso como Milton, o homem
como Shakespeare.
Revolução,
atlas de um povo consumido
que explode na iniciática
viagem à carótida da pátria.
São sempre os loucos que calçam sandálias ao hino.
alberto pereira
como num naufrágio interior
morremos
editora urutau
2019