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20 junho 2020

rafael mendes / o estrangeiro



como ser gente
nesta terra gelada
que se comunica num idioma
que eu apenas gaguejo;
de uma culinária sonsa
que só conhecia de hospital

cruzar suas pontes
sob a tempestade
distribuindo folhas a4
no afã – quase infantil –
pela resposta positiva

sou eu um alien?
não condição:
 nem gente
nem alien
que somos então?

somos o adeus ao lar
o amor ao ecstasy
as moedas contadas
cigarros de cor âmbar
ah, sim, somos gente!
gente que descobre o céu azul

e coleciona fronteiras;
gente que ginga na fala
e empacota a vida em 32Kg
sim, somos gente!
(você vai ouvir falar de nós)



rafael mendes
ensaio sobre o belo e o caos
editora urutau
2019





14 janeiro 2020

rafael mendes / ano novo



a felicidade contagia as casas
afloram bons dias, abraços
saudações aprazíveis a desconhecidos
buzinas e rojões rasgam o céu

famílias relembram histórias
tantas vezes já repetidas
mas apreciadas com esmero
como a impúbere criança

quando já alto o dia
uns repousam vencidos pela fartura
outros permanecem em silêncio
gozando dos momentos derradeiros

rápido virá o amanhã
e tudo não será como hoje

lá a corrupção e a chaga
aqui remanso e júbilo



rafael mendes
ensaio sobre o belo e o caos
editora urutau
2019






16 setembro 2019

rafael mendes / o inefável momento







eu fujo
dos sinos e capelas
dos poemas de baudelaire
das begónias e cirandas
parques e arco-íris

escondo-me
em soleiras e cortinas
becos e travessas
nos subsolos e terraços
no breu da noite
na névoa do alvorecer

e,
ainda assim,
se faz presente
o inefável momento
em que lhe disse adeus

desde então,
quando durmo, não descanso
nas refeições, não me nutro
os vícios, não dão prazer
no banho, não me limpo
nos livros, não encontro respostas
desde o inefável momento



rafael mendes
ensaio sobre o belo e o caos
editora urutau
2019