O sol põe-se sob a porta.
Parece evidente que alguma coisa chega ao fim, mas
como saber o quê? se fosse o dia era simples, mas de uma simplicidade exterior,
implicando apenas gestos: a lâmpada, o fechar das portas, a cama.
Não pode ser isso.
Procuro um indício no sol, na mancha de sol-posto
diante da porta, que já se move, já se retira.
Morrer? não me parece. aliás, morrer não acabaria
nada. pelo menos para mim.
Alguma coisa que está no seu fim, muito próxima, no
sol-posto sob a porta. não chegarei a saber o quê.
Não tentarei sabê-lo. o sol apagado, a noite
consciente do seu fim, levantar-me-ei, fecharei as portas, as lâmpadas, a cama.
Houve um tempo em que não teria deixado perder-se o
sentido de nenhum fim interior. teria ficado na noite, as mãos na noite, as
palavras.
Agora, que vem um fim, renuncio.
jacques
roubaud
alguma coisa
negro
trad. josé mário silva
tinta-da-china
2016