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05 setembro 2023

jacques roubaud / todas as fotografias são eu



 

«
 
Perecíveis, sentimentais, eu próprio perecível
 
Tudo o que nos arriscamos a perder. dar-te isso. vais per-
dê-lo.
 
Continuarei a não me parecer com o mundo.
 
Eu também já fui mundo.
 
Tão semelhante que podia ser confundido com ele.
 
Não dissipo a sombra do esquecimento. tento brilhar ful-
gurante fora da memória. contrabando indiscernível da
pura recordação.
 
Entra, assiste à minha infância interior, ao segundo lado
do tempo.
 
»
 
 
 
jacques roubaud
alguma coisa negro
trad. josé mário silva
tinta-da-china
2016
 





 

23 novembro 2021

jacques roubaud / meditação de 8/5/85

 
 
 
Todos os fins de tarde
 
O vector de luz atravessa
 
A mesma vidraça
 
Afasta-se
 
E a noite
 
Leva-o
 
Até onde te escondes
 
Invisível
 
Na espessura
 
 
 
 
jacques roubaud
alguma coisa negro
trad. josé mário silva
tinta-da-china
2016





 

17 dezembro 2019

jacques roubaud / o sentido do passado




O sentido do passado nasce
                                    de objectos-já.

Em todos os momentos evidentes
                                            procurei-te

E também em ténues
                          interregnos

Procurei quem?
                 onde
                 estás?

quem?

quem, deixou de fazer sentido

nem o quê    (sem nome, em nenhuma língua)

Eu voltaria, dando alguns passos atrás, ficaria
                                    num lugar
                                    diferente, num sentido precário.

Como se o som, ao atravessar a água,
                                    baixasse uma quarta.



jacques roubaud
alguma coisa negro
trad. josé mário silva
tinta-da-china
2016





22 novembro 2018

jacques roubaud / fins





O sol põe-se sob a porta.

Parece evidente que alguma coisa chega ao fim, mas como saber o quê? se fosse o dia era simples, mas de uma simplicidade exterior, implicando apenas gestos: a lâmpada, o fechar das portas, a cama.

Não pode ser isso.

Procuro um indício no sol, na mancha de sol-posto diante da porta, que já se move, já se retira.

Morrer? não me parece. aliás, morrer não acabaria nada. pelo menos para mim.

Alguma coisa que está no seu fim, muito próxima, no sol-posto sob a porta. não chegarei a saber o quê.

Não tentarei sabê-lo. o sol apagado, a noite consciente do seu fim, levantar-me-ei, fecharei as portas, as lâmpadas, a cama.

Houve um tempo em que não teria deixado perder-se o sentido de nenhum fim interior. teria ficado na noite, as mãos na noite, as palavras.

Agora, que vem um fim, renuncio.




jacques roubaud
alguma coisa negro
trad. josé mário silva
tinta-da-china
2016