Foi por uma janela que te vi
chegar. A medo, olhámos um para o outro,
cercados de razões que não havia
em nenhuma das horas passadas à espera,
em nenhuma das artes do amor.
Um véu de sons cobria-nos o mundo,
as mesas de madeira envernizada,
a camisola os olhos muito
verdes
o livro dos telefones muito azul.
Quiseste despedir-te logo ali
talvez pra não nos verem. Se pudéssemos
sobreviver ao fogo dos sorrisos,
como se a um segredo confessássemos
mais do que a própria vida! Mas ias descendo
a longa rampa rumo aos repetidos
roteiros do saber. Retomarias
os horários de sempre, esse teu mundo
sem ventos nem marés, fins-de-semana
uns à espera dos outros. Quase tudo
o que tínhamos dito ficava a sonhar
com muitas outras tardes, com a luz
de menos breves horas. «Pode ser
que eu te escreva, que passe contigo
um dia de setembro».
fernando pinto do amaral
os olhos verdes
poesia reunida 1990-2000
dom quixote
2000