Para descrever as nuvens
muito teria de apressar-me,
pois numa fracção de segundo
deixam de ser estas e começam a ser outras.
É sua propriedade
não se repetir
nas formas, tonalidades, poses e configurações.
Sem o peso de qualquer lembrança,
pairam sem dificuldade sobre os factos.
Mas nem testemunha-los podem,
pois logo se dissipam em todas as direcções.
Comparada com as nuvens,
a vida afigura-se firme,
quase duradoura, eterna.
Perante as nuvens
até uma pedra parece nossa irmã,
na qual se confia,
mas elas, enfim, umas levianas primas afastadas.
As pessoas que existam, caso queiram,
e depois morram uma por uma,
as nuvens não têm nada a ver com
coisas
tão estranhas.
Sobre toda a tua vida
e sobre a minha, ainda não toda,
desfilam com pompa, como desfilavam.
Não têm obrigação de morrer connosco.
Não precisam do nosso olhar para navegar.
wislawa szymborska
instante
trad. elzbieta milewska e sérgio neves
relógio d'água
2006
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