21 julho 2025

manuel de freitas / quando sós à boleia do crepúsculo

  
                [para o Fernando Guerreiro]

                         
Não mais a literatura, os seus
fúteis e imperiosos desígnios
– julgamos dizer, insistindo
numa ourivesaria do terror
e em gestos que sabem o quanto
chegam tarde. quando sós,
à boleia do crepúsculo, dizemos
coisas assim, mentimos com
os dentes todos que não temos.
 
E a mentira (a literatura)
é ainda a improvável derrota
de que não nos salvaremos
nunca. Tão igual à vida, portanto:
pouso o copo, recupero o fôlego,
fumo uma silepse. Sei que vou morrer.
 
E isso que – talvez – nos diz
é uma evidência que escurece
(tivemos por amigo o desconforto).
 
Quanto ao mais, vamos andando.
Casados ou sozinhos. Mortos.
 
 
 
manuel de freitas
[ sic ]
assírio & alvim
2002





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