Lá no alto,
num ramo firme
arqueia-se
uma gralha negra toda molhada
arranjando e
voltando a arranjar as penas à chuva.
Não espero
qualquer milagre
nem nada
que venha
lançar fogo à paisagem
no interior
dos meus olhos, nem procuro
mais no tempo
inconstante qualquer desígnio,
mas deixo as
folhas manchadas cair conforme caem,
sem cerimónia
ou maravilha.
Embora -
admito-o - deseje
ocasionalmente
alguma resposta
do céu mudo,
não posso honestamente queixar-me:
uma certa luz
pode ainda
surgir
incandescente
da mesa da
cozinha ou da cadeira
como se um
fogo celestial tornasse
seu, de um
instante para outro, os mais estranhos objectos,
assim
consagrando um intervalo
de outro modo
inconsequente
por nos dar
grandeza e glória,
ou até amor.
De qualquer modo, caminho agora
atenta (pois
isso poderia acontecer
mesmo nesta
paisagem triste e arruinada); descrente,
mas astuta,
ignorante
de que um
anjo se decida a resplandecer
repentinamente
a meu lado. Apenas sei que uma gralha
ordenando as
suas penas negras pode brilhar
de tal
maneira que prenda a minha atenção, erga
as minhas
pálpebras, e conceda
um breve
repouso com medo
de uma
neutralidade total. Com sorte,
viajando
teimosamente por esta estação
de fadiga,
acabarei
por juntar um
conjunto
de coisas. Os
milagres acontecem
se gostares
de invocar aqueles espasmódicos
gestos de
luminosos milagres. A espera recomeçou de
[novo,
a longa
espera pelo anjo,
por essa
rara, fortuita visita.
sylvia plath
pela água
tradução de
maria de lurdes guimarães
assírio &
alvim
1990