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Escrevo pássaros e nada sei
do corpo deles nem das suas
inclinações – nada sei do amor
tão pleno de falsificações. Se canto,
se escrevo assim às escuras da noite
do meu lençol
é porque não sei incorporar
os ruídos, as veredas da casa
nem olhar para o lado
e ver por dentro
o rosto da amada, o sono
da filha – os ritmos da morte
que dão e só eles são
sabor
à passagem do tempo.
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Como é triste a carne quando se percorreram
todos os caminhos, quando se leram
todos os poemas_______tenho os olhos queimados
e não os li nem percorri mas,
pobre de mim, é como se o tivesse
feito. Pois a carne vai triste
e cai. Se morrer é isto, esta maneira
de pouco a pouco ir caindo no ar,
não tenho medo, é triste mas não tenho medo nem
dor nem nada que me possa
perturbar. Escrevo
um livro vazio
e já não sei se lá fora existe
outro lugar. Os olhos da minha amiga
vão comigo de regresso à fonte
que não cessa de cantar.
Petrarca
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Apodreço devagar e o meu lixo
em húmus resvalando
alimenta silencioso os animais
da terra, o basalto, as framboesas, os
lagartos que se elevam para o sol até caírem
eles também de corpo
em corpo como venho caindo
nas nuvens do chão.
casimiro de brito
oficina de poesia
revista da palavra e da imagem
trianual, nº 1 – série II
junho 2002
coimbra