Na ponta da minha caneta vem-me uma insónia
e todos os mares rasteiros
e tudo que não vem com a tinta
festas de luto.
Pela ponta da minha caneta a precocidade dos céus dramáticos
que me interrogam.
Mas meu amor, eu não te interrogo
nem te chamo
porquanto nasço contigo num mesmo berço:
os poemas que queimei no fogão.
Dos poemas fiquei eu que não me fui a queimar.
Porque, tu sabe-lo, no sangue não há leilões
e jamais deixarias de ser impossível
num silêncio marinho como o do sangue.
E pela noite
uma estátua desce do pedestal para espreitar nos bares,
e pela noite
(já não quero mais noite nem mais dia)
conta milhões de vidas sobre mim
e quero-me lá vidro escaldante
criando uma superfície
onde os teus passos fiquem marcados
como problemas que do meu corpo
e em sono
são todos o silêncio de uma praia.
Faço uma bola negra para me divertir.
Justamente uma bola que não faça conclusões.
Prego alfinetes no meu tapete
e deito-me no meio.
Depois
é esperar-me a rolar
despir o sobretudo e sair.
Atravessar o rio
e parar junto de um sapato que está na outra margem.
Desse sapato farei mil coisas:
vidros,
casas arruinadas,
animais sem vida,
infinitos de avenida
e líquidos de sabores variáveis
(os alfinetes do meu tapete perguntam-me se amo)
e os meus cabelos ficam alheados
e as minhas mãos são a estrada de tanta resposta sem fito.
Cama de mim mesmo não obstante
nunca me quis medir
salvo em fumo,
em horas de insónia
ora em catorze horas de sono funâmbulo.
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Esta aparência de calma são gases
e fico sem saber se estou em casa se na rua.
São para mim as pancadas numa porta algures em Paris.
São umas tantas esquinas
correrias e gritos
brincalhonas e alcoólicas umas tantas algibeiras
pingando nesgas de noite.
Faço rodas com os gatos numa rua gelada
e os ponteiros do relógio
audaciosos recolhem-se junto da maquinaria.
Emocionados todos os meus objectos
falam de mares distantes
como me falava o pequeno buda de marfim
que aguardava o dia de leilão para ser vendido…
Era todo um mundo que se projectava atrás dos meus passos,
um equívoco de que falavam,
de telhado para telhado,
todas as cidades.
E no espaço
um campo de meteoros
muitas léguas para além dos cactos onde me pico por desdém
assim como uma sede que me ataca durante uma conversa telefónica.
Depois,
um diário flagrante que deixo esquecido num túmulo.
fernando alves dos santos
diário flagrante [poesia]
edição perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
2005