viver com a crueldade
da criança que
tira os olhos ao pássaro
um desconhecido
movendo-se constantemente
no deserto
em que cada pegada deixa
bem marcada na areia
a imagem dessa
outra existência
em que a morte e a memória
ainda mais significam
mais alto
muito mais alto talvez
que a claridade
do voo das aves que
partem para o desconhecido
o próprio corpo nada mais é
do que a sombra
bem simples por sinal
dos braços que nos rodeiam
por erro nosso ou dos outros
já não existe
a persistência do que
foi perdido
e as mãos
as mãos que sentimos
bem presas seguras aptas
essas
todos sabemos
que podem ainda cada vez mais
esmagar com cuidado com
extremo cuidado
dilacerar suavemente
nos olhos
está o amor
mário-henrique leiria
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista
portuguesa
perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998
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