01 dezembro 2012

ângela canez / suspendamos um pouco a alma




Suspendamos um pouco a alma
     à semelhança de um objecto pesado e enorme

     Aonde chega a matéria severa
     forja um bem aparente
     dá forma a um signo artificial
     Os elementos primários criam o cheiro da ameixa no susto mole
          — cera nos punhos rotos
     jugo da fome perseguindo a fortuna
     assistindo ao seu declínio
     o visível sustém-se pela seiva
     vespertina, o visível abomina o jejum
     persiste como um insulto indigno
     Algures um sentido repousa
     mais fundo, permanece até que o tempo finde
     — Aquela criança desagregada
     não cabe à mesa
     não se segura sozinha raiada de espuma
     porque aplaude o gesto póstumo o gesto
     que se esboça antes das próprias mãos

     Desse seu costume informe de arrastar
     um destino interdito, à margem do que
     é normal e é homem

          — Assistimos ao riso crescente daqueles
          para quem a criança está para além
          um ser nulo, fragmentário


     O jugo da busca não é vão
            inanimal apenas



ângela canez
oficina de poesia
nr. 3 Junho 2004
coimbra



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