Ó velho oceano de vagas de cristal, assemelhas-te
relativamente àquelas marcas azuladas que vemos no dorso pisado dos musgos; és
um imenso azul aposto ao corpo da terra: gosto desta comparação. Assim, mal te
vemos, passa um sopro prolongado de tristeza, tal um murmúrio da tua brisa
suave, deixando inapagáveis traços na alma profundamente abalada, e invocas a
lembrança dos teus amantes, sem que nem sempre nisso reparemos, e os rudes
começos do homem, onde ele trava conhecimento com a dor que não mais o abandona.
Eu te saúdo, velho oceano!
Ó velho oceano, a tua forma harmoniosamente
esférica, que a1egra a face grave da geometria, por demais me lembra os o1hos
pequeninos do homem, semelhantes aos do javali, de tão pequenos, e aos dos
pássaros nocturnos pela perfeição circular do contorno. No entanto, em todos os
séculos o homem se julgou belo. Por mim, creio antes que o homem só por
amor-próprio acredita na sua beleza, mas que não é belo de verdade, e o
suspeita; se não, porque olha ele com tanto desprezo o rosto do semelhante? Eu
te saúdo, velho oceano!
Ó velho oceano, tu és o símbolo da identidade:
sempre igual a ti próprio. Não varias de um modo essencial, e se algures as
tuas vagas são furiosas, mais adiante, em qualquer outra zona, ei-Ias na mais
completa calma. Tu não és como o homem, que pára na rua para ver dois buldogues
morderem-se pelo pescoço, mas que não pára quando um enterro passa; que de
manhã está acessível, e de mau humor à tarde; que hoje ri e amanhã chora. Eu te
saúdo, velho oceano!
isidore
ducasse
conde de
lautréamont
cantos de
maldoror
poesias
trad. pedro tamen
fenda
1988