Caindo,
mereces a mais convencional
das orações fúnebres:
charco de ouro e sangue,
mangal onde o sol poente...
Mais do que isto não
esperes.
O Circo é todas as
convenções
Quanto à chegada,
teme na pista o andar
pretensioso. Entras:
é logo uma série de pulos,
saltos mortais, piruetas,
rodas que vão levar-te ao pé
da máquina
para onde sobes a dançar.
Que o frémito dos teus
saltos — preparado já nos bastidores — nos revele
que havemos de ir de
maravilha em maravilha.
E dança!
Mas teso.
O teu corpo terá um vigor
arrogante de sexo congestionado,
de sexo irritado.
Por isso te aconselhava há
pouco
a dançares perante a tua imagem
e te apaixonares por ela.
Não te reprimas: quem dança
é Narciso.
Dança que é só tentativa do
corpo em se identificar
com a tua imagem, como o
espectador o sente.
Não és apenas perfeição
mecânica e harmoniosa:
evola-se de ti um calor que
nos aquece.
O teu ventre queima. Ainda
assim
não deves dançar para nós:
dança para ti.
Não viemos ao Circo ver uma
puta,
mas um amante solitário em
busca da sua própria imagem
que foge e desmaia num
arame.
Sempre num país de inferno.
Uma solidão assim
é que vai fascinar-nos.
(...)
jean genet
o funâmbulo
trad. de aníbal fernandes
hiena editora
1984
Sem comentários:
Enviar um comentário