Já não se pode dizer isso assim.
Preocupado com a beleza, tens de
Te expor, sair para uma clareira
E descansar. Tudo o que te acontece de insólito com certeza
Está bem. Pedir mais do que isto seria estranho
Da tua parte, tu que tens tantos amantes,
Pessoas que te admiram e estão dispostas
A fazer coisas por ti, mas tu achas
Que não está certo, que se elas realmente te conhecessem...
Basta de auto-análise. Agora
Quanto ao que vais pôr no teu poema-pintura:
Flores ficam sempre bem, especialmente as esporas.
Nomes de rapazes que um dia conheceste, e os seus trenós,
Foguetes são bons - será que ainda existem?
Há muitas outras coisas, do género
Das que referi. Agora é preciso
Encontrar duas ou três palavras importantes, e muitas outras banais,
Apagadas. Ela propôs-me
Comprar-lhe a secretária. Subitamente a rua era
Uma barafunda e o clangor de instrumentos japoneses.
Havia papelada dispersa pelo chão. A cabeça dele
Enlaçada na minha. Éramos um baloiço sobe-e-desce. Devia
Escrever-se alguma coisa sobre o modo como isto nos
Afecta quando escrevemos poesia:
A extrema austeridade da mente quase vazia
Colidindo com a folhagem densa, à maneira de Rosseau, do seu desejo de
comunicar
Qualquer coisa entre duas respirações, nem que se seja só pelos
Outros e pelo seu desejo de te compreender e deixar
Por outros centros de comunicação, para que a compreensão
Possas começar, e ao fazê-lo se desfaça.
john ashbery
uma onda e outros poemas
tradução colectiva / joão barrento
poetas em mateus
quetzal editores
1992
Sem comentários:
Enviar um comentário