07 novembro 2014

jorge luís borges / limites




De todas as ruas que escurecem ao pôr-do-sol,
deve haver uma (eu não sei dizer qual),
em que já passei pela última vez
sem perceber, refém daquele Alguém



que, com antecedência, fixa leis omnipotentes,
ajusta uma balança secreta e inflexível,
para todas as sombras, formas e sonhos
tecidos na textura desta vida.



Se há um limite para todas as coisas, e uma medida,
e uma última vez, e nada mais, e esquecimento,
quem nos dirá a quem, nesta casa,
nós, sem saber, já dissemos adeus?



Pela janela que amanhece retira-se a noite
e entre os livros empilhados que lançam sombras
irregulares na mesa difusa,
deve haver um que eu jamais lerei.



Há uma porta que tu fechaste para sempre
e algum espelho te esperará em vão;
Há uma, entre todas as tuas memórias,
que agora está perdida além da evocação.



Tu nunca voltarás a recapturar o que o Persa
disse no seu idioma tecido com pássaros e rosas,
quando, ao pôr-do-sol, antes que a luz disperse,
tu queres pôr em palavras tantos inesquecíveis.



Ao amanhecer pareço ouvir o turbulento
murmúrio de multidões crescendo e dissolvendo;
tudo por que fui amado, esquecido,
espaço, tempo, e Borges, vão me deixar agora.



jorge luis borges








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