08 novembro 2014

isidore ducasse conde de lautréamont / cantos de maldoror



Ó velho oceano de vagas de cristal, assemelhas-te relativamente àquelas marcas azuladas que vemos no dorso pisado dos musgos; és um imenso azul aposto ao corpo da terra: gosto desta comparação. Assim, mal te vemos, passa um sopro prolongado de tristeza, tal um murmúrio da tua brisa suave, deixando inapagáveis traços na alma profundamente abalada, e invocas a lembrança dos teus amantes, sem que nem sempre nisso reparemos, e os rudes começos do homem, onde ele trava conhecimento com a dor que não mais o abandona. Eu te saúdo, velho oceano!

Ó velho oceano, a tua forma harmoniosamente esférica, que a1egra a face grave da geometria, por demais me lembra os o1hos pequeninos do homem, semelhantes aos do javali, de tão pequenos, e aos dos pássaros nocturnos pela perfeição circular do contorno. No entanto, em todos os séculos o homem se julgou belo. Por mim, creio antes que o homem só por amor-próprio acredita na sua beleza, mas que não é belo de verdade, e o suspeita; se não, porque olha ele com tanto desprezo o rosto do semelhante? Eu te saúdo, velho oceano!

Ó velho oceano, tu és o símbolo da identidade: sempre igual a ti próprio. Não varias de um modo essencial, e se algures as tuas vagas são furiosas, mais adiante, em qualquer outra zona, ei-Ias na mais completa calma. Tu não és como o homem, que pára na rua para ver dois buldogues morderem-se pelo pescoço, mas que não pára quando um enterro passa; que de manhã está acessível, e de mau humor à tarde; que hoje ri e amanhã chora. Eu te saúdo, velho oceano!




isidore ducasse
conde de lautréamont
cantos de maldoror
poesias
trad. pedro tamen
fenda
1988





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