Matéria de poesia
(1)
Todas as coisas cujos valores podem ser
Disputados no cuspe à distância
Servem para a poesia
O homem que possui um pente
E uma árvore
Serve para poesia
Terreno de 10×20, sujo de mato – os que
Nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
Servem para poesia
Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
São bons para poesia
As coisas que não levam a nada
Têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo
Tem seu lugar
Na poesia ou na geral
O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
Caco de vidro, garampos,
Retratos de formatura,
Servem demais para poesia
As coisas que não pretendem, como
Por exemplo: pedras que cheiram
Água, homens
Que atravessam períodos de árvore,
Se prestam para poesia
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
E que você não pode vender no mercado
Como, por exemplo, o coração verde
Dos pássaros,
Serve para poesia
As coisas que os líquenes comem
-sapatos, adjetivos -
têm muita importância para os pulmões
da poesia
Tudo aquilo que a nossa
Civilização rejeita, pisa e mija em cima,
Serve para poesia
Os loucos de água e estandarte
Servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso
Tudo que explique
O alicate cremoso
E o lodo das estrelas
Serve demais da conta
Pessoas desimportantes
dão para poesia
qualquer pessoa ou escada
Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia
O que é bom para o lixo é bom para poesia
Importante sobremaneira é a palavra repositório;
A palavra repositório eu conheço bem:
Tem muitas repercussões
Como um algibe entupido de silêncio
Sabe a destroços
As coisas jogadas fora
Têm grande importância
- como um homem jogado fora
Aliás, é também objeto de poesia
Saber qual o período médio
Que um homem jogado fora
Pode permanecer na Terra sem nascerem
Em sua boca as raízes da escória
As coisa sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
Ao poema e as andorinhas de Junho.
manoel de barros
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001
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