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14 novembro 2014

manoel de barros (1916-2014)



Matéria de poesia



(1)

Todas as coisas cujos valores podem ser
Disputados no cuspe à distância
Servem para a poesia

O homem que possui um pente
E uma árvore
Serve para poesia

Terreno de 10×20, sujo de mato – os que
Nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
Servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
São bons para poesia
As coisas que não levam a nada
Têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
Tem seu lugar
Na poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira:
Caco de vidro, garampos,
Retratos de formatura,
Servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como
Por exemplo: pedras que cheiram
Água, homens
Que atravessam períodos de árvore,
Se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
E que você não pode vender no mercado
Como, por exemplo, o coração verde
Dos pássaros,
Serve para poesia

As coisas que os líquenes comem
-sapatos, adjetivos -
têm muita importância para os pulmões
da poesia

Tudo aquilo que a nossa
Civilização rejeita, pisa e mija em cima,
Serve para poesia

Os loucos de água e estandarte
Servem demais
O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso
Tudo que explique
     O alicate cremoso
     E o lodo das estrelas
Serve demais da conta

Pessoas desimportantes
dão para poesia
qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique
     a lagartixa de esteira
     e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
A palavra repositório eu conheço bem:
     Tem muitas repercussões
Como um algibe entupido de silêncio
     Sabe a destroços

As coisas jogadas fora
Têm grande importância
- como um homem jogado fora

Aliás, é também objeto de poesia
Saber qual o período médio
Que um homem jogado fora
Pode permanecer na Terra sem nascerem
Em sua boca as raízes da escória

As coisa sem importância são bens de poesia

Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
Ao poema e as andorinhas de Junho.


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