para o David
Que queres que te diga?
Não estamos velhos, se isso te consola.
Mas também já soa mais a conversa.
Uns passos fora e as paisagens
já nos arreganham os dentes.
Entre fósforos apagados e calcanhares de Aquiles,
eriçaram-se flores na carcaça do animal
que ia levar-nos daqui.
Baixou uma névoa não sei de onde,
e ando há semanas fodido
com os correios que já não asseguram
serviço de e para Pasárgada.
Ouve o que te digo: esta coisa
da realidade
está a meter água por todos os lados
e quem não se mandar agora
já não sai.
Qual poesia, qual caralho!
Depois de bater tudo, de ver os magrelas
dos cães a guerrearem por côdeas
entre os sacos de lixo da morte,
o que te digo é: nem faças as malas.
Onde quer que a gente venha
a fincar a bandeira dos ossos,
o passado só irá atrapalhar.
diogo vaz pinto
aurora para os cegos da noite
maldoror
2020