Não morrerei em paris numa quinta-feira cadente
Deixo a hiena de zinco que vem sobre os telhados
aos que no último andaime da chuva executam o número
do suicídio que se incuba nos corações molhados
cedo a nossa senhora dos espasmos ao corcunda
o sena à açucena insolúvel na máscara da afogada
a mona lisa ao vitríolo dos olhos roubadores
que até agradeço que seja para sempre roubada
Cedo a ópera ao degas das bailarinas póstumas
o accordéon à valsa dos desaparecidos canalhas
e napoleão que era cornudo cedo à córnea
que só deixa passar o infravermelho das batalhas
Cedo o sagrado coração à sacarina
Cedo o sorriso ao cheque e o cheque ao mate
a taquicardia aos directores o zola às usinas
a métrica ao metrô trianon ao esmalte
Cedo a Dada as tampas das retretes
públicas pálpebras da república francesa
e a Toulouse-lautrec cedo o cancã pintado
por um gesto obsceno debaixo de uma mesa
Cedo aos cais uns restos de sonho embutidos na noite
jean cocteau ao croissant versalhes ao bibelô
e seja sartre em molho de manteiga
o peixe mais comido no bistrô
O que eu não cedo num nicho deste itinerário
varrido por um simum de telexes e ascensores
está numa tapeçaria: é a dama do licorne
cada vez mais remota pronunciando flores
natália correia
o anjo do ocidente à entrada do
ferro
antologia poética
dom quixote
2018
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