Meu pobre amigo, não tenho compaixão que te dar.
A compaixão custa, sobretudo sincera, e em dias de
chuva.
Quero dizer: custa sentir em dias de chuva.
Sintamos a chuva e deixemos a psicologia para outra
espécie de céu.
Com que então problema sexual?
Mas isso depois dos quinze anos é uma indecência.
Preocupação com o sexo oposto (suponhamos) e a sua
psicologia —
Mas isso é estúpido, filho.
O sexo oposto existe para ser procurado e não para
ser compreendido.
O problema existe para estar resolvido e não para
preocupar.
Compreender é ser impotente.
E você devia revelar-se menos.
"La Colére de Samson", conhece?
"La femme, enfant malade et [...]"
Mas não é nada disso.
Não me mace, nem me obrigue a ter pena!
Olhe: tudo é literatura.
Vem-nos tudo de fora, como a chuva.
A maneira? Se nós somos páginas aplicadas de
romances?
Traduções, meu filho.
Você sabe porque está tão triste? É por causa de
Platão,
Que você nunca leu.
E um soneto de Petrarca, que você desconhece,
sobrou-lhe errado,
E assim é a vida.
Arregace as mangas da camisa civilizada
E cave terras exactas!
Mais vale isso que ter a alma dos outros.
Não somos senão fantasmas de fantasmas,
E a paisagem hoje ajuda muito pouco.
Tudo é geograficamente exterior.
A chuva cai por uma lei natural
E a humanidade ama porque ama falar no amor.
9-7-1930
álvaro de
campos
livro de
versos
fernando
pessoa
estampa
1993
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