01 maio 2020

josé gomes ferreira / a caricatura do banqueiro…



                            (Lá de fora da Cidade vem o Coro da
                            Lamentação Geral em honra dos pobres her-
                            óis que morrem pelo que JULGAM-QUE-
                            EXISTIU. Festa fúnebre com foguetes de
                            lágrimas.
                                 Entramos no Banco. – Não há poemas
                            sociais sem bancos nem banqueiros. De cha-
                            ruto. )



II

A caricatura do Banqueiro…
(a verdadeira imagem ficou em casa a sorrir para o filho)
… dum lado para o outro
a entrar e a sair do espelho.

Parecia mal trazer os olhos secos
agora que os homens morriam
contra si mesmos
nos Dias Habituados.

E lágrimas? Nem uma.
Só as pérolas da mulher
choradas pelos náufragos
nos colos de bruma
dos bailes do Cofre Forte.

E era urgente,
era necessário
aquecer a morte.

Então
– sempre em casa a sorrir para o filho com a Boca Verdadeira –
untou-se de luz postiça,
correu ao sótão em frente
e com voz de sacrário
depois da burocracia da missa,
foi pedir as lágrimas emprestadas
à engomadeira
que continua a tossir nos versos de Cesário.

E ela deu-lhas.
«Leve-as. Até me apetece descansar um bocadinho da injustiça.»



josé gomes ferreira
poesia V
lágrimas trocadas - 1956
portugália
1973







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