Nós somos filhos da época,
a época é política.
Todas as tuas, nossas, vossas
questões diárias, questões nocturnas
são questões políticas.
Queiras tu ou não
os teus genes têm passado político,
a pele matiz político,
os olhos aspecto político.
Os temas que abordas têm ressonância,
o que calas tem expressão
de um modo ou outro na política.
Passeias pela floresta
e dás passos políticos
num chão político.
Também são políticos os versos apolíticos,
e lá no alto a lua resplandece,
a lua já objecto não lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.
Mas que questão, responde lá, então.
Questão política.
Não tens sequer que ser um ser humano
para adquirires significado político.
Basta-te seres petróleo bruto,
matéria-prima, forragem substancial.
Ou mesa então de reuniões em cuja forma
se apoiaram longos meses:
na qual se negociou a vida ou morte,
quadrada ou redonda.
Pessoas entretanto faleceram,
morreram animais,
casas arderam
e campos tornaram-se bravios
como nos tempos de outrora
muito menos políticos.
wislawa szymborska
paisagem com grão de areia
trad. júlio sousa gomes
relógio d’água
1998
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