16 outubro 2015

marcelino vespeira / ainda-agora-já conhecido-camarada-amigo


O ainda-conheido
profissionalmente
arruma a sua mão direita
no meu ombro esquerdo
profissionalmente
desarticula-se jubiloso
em frases mensageiras

 – Deixa-te disso meu rapaz…
a vida são dois dias!
O que é preciso é esfolar…
esfolar seja o que for,
esfolar – percebes?...

E eu não percebi.

O agora-camarada
profissionalmente
em calores clandestinos
de olhadelas-antes
profissionalmente
revoluciona-se em arco
numa máxima bem quente

 – Isto qualquer dia vira-se…
ai vira-se?
O que é preciso é ter olho,
olho – percebes?

E eu não percebi.

O já-amigo
profissionalmente
em palmadinhas cultas
nos meus ombros
profissionalmente
modela símbolos
de sabidas vitórias

 – Eu também já fui assim…
mas isso passa-te!
É questão de tempo,
de tempo – percebes?

E eu não percebi.

Os olhos do
ainda-agora-já
conhecido-camarada-amigo
profissionalmente
procuram as casas dos meus botões

E eu que nas casas
tinha os botões meus
por causa das correntes de ar
saldo a viagem
do ainda-agora-já
conhecido-camarada-amigo.

E ainda-agora-já
conhecido-camarada-amigo
sem olhos de viagem
sem casas de botões
com botões nas casas
dispara o adeuzinho final
glacé e de bom gosto

 –É pá tens a mania…
deves ser bestial!
Mas eu não te percebo,
não te percebo – percebes?...

E eu não percebi.



marcelino vespeira
a única real tradição viva
antologia da poesia surrealista portuguesa
perfecto e. cuadrado
assírio & alvim
1998





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