Levantei-me antes da luz (cedo),
envolvida pela pergunta como permanecer no conjunto das pessoas do
meu sangue. Não dou importância que já vivi com outras pessoas, na mesma casa,
que já convivi familiarmente com alguém. São já nove horas da manhã, mas ainda
sinto os efeitos da madrugada. Afastei-me do movimento do Augusto, da minha
mãe, da minha irmã, que se levantam e, tomando café e comendo fatias com
manteiga na mesa da cozinha, procuro perceber os meus sentimentos e ideias,
determinar o seu lugar escondido na invocação do labirinto. O canto do galo, a
urina de Jade no muro, os gatos de idades diferentes à volta do prato, e o
chacal que me faz andar à roda, no interior de mim, e uiva à minha serenidade.
Não me reconheço apenas uma mulher, mas um anel, com algumas feridas. Fundada
na luz que se eleva na cozinha, e que desce, condensando-se, da bandeira
multicor da porta da entrada, junto-me a Spinoza, para subjugar o meu chacal,
com a sua geometria; mais uma paixão, mais um momento de ódio, mais uma
hesitação, mais saber que se transforma em fio subtil de poder, mais um
instante de medo, eis o dia. É o sinal de que a madrugada está a passar,
decompondo-se nos seus elementos, e vestígios. Por mais sombrios que sejam os
dias, a companhia de Spinoza não me deixa nunca ficar muito tempo sem a terra,
o ar, e o fogo.
Arrastador.
Alvor.
Insuflador.
O alvor que se anuncia na parte superior da porta
com as outras palavras pertence à minha génese, e impeliu-me para fora do país
de uma única língua; é preciso dar várias inteligências à língua reunida num
todo, que só tem uma corola.
O meu país não é a minha língua, mas levá-la-ei
para aquele que encontrar.
maria gabriela llansol
um falcão no punho
rolim
1985
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