28 outubro 2020

sylvia plath / berck-plage

 
 
II
 
Esta bota preta não tem misericórdia por ninguém.
E porque deveria ter, se é a carreta de um pé morto?
 
O pé alto, morto e sem dedos deste padre
Que bombeia o poço que o seu livro é,
 
A página dobrada à sua frente como cenário.
Biquínis obscenos escondem-se nas dunas,
 
Peitos e ancas de confeitaria, açúcar de
Pequenos cristais, cintilando à luz,
 
Enquanto uma poça verde abre o olho,
Doente com o que tem engolido –
 
Membros, imagens, gritos. Atrás dos abrigos de cimento
Dois amantes despegam-se um do outro.
 
Ó branca loiça do mar,
Quantas chávenas de suspiros, quanto sal na garganta…
 
E o espectador, a tremer,
Esticado como um pano grande
 
Através de uma calma virulência,
E uma alga, peluda como as partes.
 
 
 
sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996




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