22 outubro 2020

iosif brodskii / centauros I

 
 
Metade beleza deslumbrante, metade sofá – em demótico, Sófa –
depois duma tarde a encher a rua cujas janelas parecem caras
com o estrépito dos seus seis saltos altos (no fundo, uma catás
trofe é coisa cujas consequências não é difícil alterar),
corre para um encontro. O amor compõe-se de tule,
cabelo, sangue, colchão de molas, cabeleireiro, felicidade, partos.
Dois terços homem, um terço carro de corrida – Múlia –
saúda-a com indolência e alguns rosnados apartes,
e condu-la a um teatro. Qualquer coxa, desde a idade das fraldas,
mostra uma tendência do músculo para móveis, mognos
trabalhados, armários de espelhos que,
por sua vez, pedem poses a três-quartos, de frente,
e uma bofetada. Condu-la a um teatro, em cujas trevas
– trepando um sobre o outro, amassando os bancos –
gozam o panorama dum drama sobre a vida das bonecas,
 
que é o que, francamente, éramos, no nosso tempo.
 
 
 
 
iosif brodskii
paisagem com inundação
trad. de carlos leite
livros cotovia
2001

 



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