Ficarão para sempre abertas as minhas
salas negras.
Amarrado à noite,
eu canto com um lírio negro sobre a boca.
Com a lepra na boca,
com a lepra nas mãos.
Este mamífero tem sal à volta,
este mineral transpira, a primavera precipita-se.
Com a lepra no coração.
Mais de repente,
só chegar à janela e ver uma paisagem tremendo
de medo.
E uma vida mais lenta
só com uma estrela às costas,
uma tonelada de luz inquieta,
uma estrela respirando como um carneiro
vivo.
Igual a esta espécie de festa dolorosa,
apenas um ramo de cabelos violentos
e o seu odor a pimenta,
no lado escuro
como se canta que as salas vão levantar
o seu voo.
Ficarão para sempre abertas estas mãos exageradas
em dez dedos com sono,
como uma rosa acima do pénis.
Ao cimo do caule de sangue,
essa flor confusa.
Um equilíbrio igual,
só a estrela ao cimo do êxtase.
Só alguma coisa parada no cimo de uma visão
tremente.
A primavera, que eu saiba,
tem o sal como cor imóvel,
Por um lado entra a noite,
assim de súbito negra.
De uma ponta à outra enche-se o espaço
aplainando tábuas.
Rasga-se seda para aprender o ritmo.
Abraço um corpo com as camélias
a arder.
Abertas para sempre as negras partes
de mais uma estação.
Semelhante a isto
as mulheres andam pelas galerias transparentes,
e o palácio queima a noite onde estou
cantando.
É possível ainda cortar ao meio o ofício de ver —
e num lado há espelhos bêbedos,
no outro um cardume ilegível de sons
obscuros.
Sabe-se então pelo silêncio em volta,
sabe-se em volta que são lírios
sonoros.
Passando
as mulheres colhem estes sons irrompentes,
e as mãos ficam negras junto à beleza
insensata.
Elas sorriem depois com um talento
terrível.
Levamos às costas um carneiro palpitante.
Pesa tanto uma estrela
quando se acorda nas salas negras abertas de par em par,
e as mãos agarram um ramo de cabelos dolorosos,
e sobre a boca um lírio em brasa,
branco, branco,
que não nos deixa respirar.
A lepra na boca,
que não nos deixa respirar.
Um ramo de lepra contra o corpo,
como isto então só o movimento de águas obscuras
pelos canais de um canto,
como um palácio de salas negras abertas
para sempre.
Este animal respira como um espelho de pé,
no ar,
no ar.
herberto helder
apresentação do rosto
editora ulisseia
1968