P.S. em 1982
O Mar Vermelho é um íman que atraiu e reteve os homens que iriam agitar os alicerces do mundo.
Não é que nos obstinemos a determinar o segredo das partidas de Rimbaud nem descobrir necessariamente o seu esquecimento da poesia, mas, mais simples do que isso, saber dos porquês do Mar Vermelho e suas margens fascinarem o viajante infatigável, nunca satisfeito, sempre à procura de novas luzes e novos mistérios.
Foi nessas margens que eu segui os itinerários traçados pelo futuro “negociante”, itinerários que ele finalmente havia preferido — ele que falava em regressar a França para se casar e fazer um filho que seria “engenheiro”.
Tendo procurado as pistas de Rimbaud em Londres e em Chipre, fui a Aden, vi a Arábia, Harar, a Etiópia. Em 1951. Ao explorar o Mar Vermelho, vi-me metamorfoseado. Não foi tanto a descoberta de um universo diferente; nem a solidão; mas uma metempsicose. Je est un autre. O homem que eu acreditava ser já não se parecia comigo. Experiência dolorosa mas irreversível. Inútil lutar contra esta ruptura. O olvido.
A sombra de Rimbaud, imperceptível, era impossível não se ficar obcecado por ela. Sombras. O que o vidente não podia conhecer nem mesmo imaginar.
E no entanto...
Os que encontrei eram também eles vítimas do esquecimento. Mesmo aquele milionário, senhor Besse que, alguns anos depois da partida do negociante havia feito fortuna ao retomar por sua conta os projectos que o ardenense teve de abandonar. Mesmo aqueles fantasmas ou aqueles destroços que erravam de Djibuti a Aden sem espírito de regresso.
A última viagem, a viagem da agonia do carregador de luíses de ouro.
Saberia ele que ia morrer?
Paris, 1982
philippe soupault
mar vermelho
trad. célia henriques e vítor silva tavares
& etc
2000