Eu cá também não gosto: há outras coisas importantes além deste
desconchavo.
Quando, porém, a lemos,
desdenhando-a por completo.
achamos, apesar de
tudo, nela um lugar genuíno.
Mãos prestes a agarrar,
olhos
prestes a dilatar,
cabelo prestes a eriçar,
se for o caso, são
coisas importantes não por via
de uma interpretação sonante que as possa moldar mas por via de
serem
úteis. Quando se tornam tão
derivativas que ficam
ininteligíveis,
o mesmo se aplica a todos
nós, que
não admiramos o que
não podemos entender; o
morcego
que se sustém de
cabeça para baixo ou que procura algo que
comer, os elefantes a querer passar, um ginete a rebolar, um lobo
incansável
debaixo de uma árvore, o
crítico impassível a crispar a pele
como um cavalo mordido por pulga, o adepto
de baseball, o estatístico –
e não vale
discriminar contra
“documentos empresariais e
manuais escolares”; são todos fenómenos importantes. Há que
distinguir
porém: quando enaltecidos
pelos semi-poetas, o resultado não é
poesia;
será só quando os poetas
entre nós puderem ser
“literalistas da
imaginação” – sobre
a insolência e a
trivialidade, só quando puderem apresentar,
a exame, jardins imaginários
com sapos de verdade, é que ela será
nossa. Entretanto,
quando se exige, por um lado,
a matéria-prima da
poesia em
bruto, a cru e,
por outro, aquilo
que é
genuíno,
então é porque sempre interessa a poesia.
marianne moore
o pangolim e outros poemas
trad. margarida vale de gato
relógio d´água
2018