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31 agosto 2023

pedro homem de mello / carta a bill

 
 
 
Bill!
Se algum dia voltares
Aos caminhos do passado,
Acharás tudo mudado:
A dança, o trajo, os cantares…
Fica a máscara por fora?
Por baixo dela, ainda igual,
Se ergue a bandeira real –
Branca e azul – intacta, agora?
 
Bailam a Gota?
                     – Eu te digo:
Veio, há tempos, um amigo
(Meu país foi sempre o teu
E esse país não morreu!)
Ver de perto com seus olhos
O lírio de que eu falava
(Lírio tão branco entre abrolhos!)
Em versos de silva brava.
Branco lírio!
Branco lírio!
Ao alto da serra da Agra!
Lembro nele o Fandangueiro
Que, ao bailar, de corpo inteiro,
Era uma flor, doce e amarga…
 
Mas, em chegando, ouvi só
Insultos de altifalantes!
Onde estavam os amantes
Do Poeta?
              Apenas pó.
E olhos, olhos espantados
E toda a monotonia
Da voz que o rosto desvia
Dos rouxinóis dos silvados.
Que loucura!
(Pense-o, pense-o
Quem quiser de lábios mudos.)
 
– Comprei por dez mil escudos
Dez minutos de silêncio.
 
Calou-se o altifalante!
Castanholaram os dedos…
 
De novo,
Naquele instante,
Voltou o povo a ser povo!
E voltaram homens ledos:
– Veio o Nelson e a Artemisa,
Veio Afife e Gondarém
E os de Carreço também
Misturar-se aos da Galiza…
 
E bastaram dez minutos
(Os dez minutos comprados!)
Para dez mil namorados
Sorrirem, de olhos enxutos.
Que loucura! – (Pense-o, pense-o
Quem quiser de lábios mudos!)
 
Comprei por dez mil escudos
Dez minutos de silêncio!
 
 
 
pedro homem de mello
cartas de Inglaterra (1973)
poesias escolhidas
imprensa nacional-casa da moeda
1983



28 maio 2023

pedro homem de mello / o rapaz da camisola verde

 
 
É com histórias que se conta a vida
E a minha história é breve de contar.
Mas a palavra bela e proibida
Tem da noite os silêncios e o luar…
 
Podia eu vir, a meio do caminho,
Juntar-me à Cruz, cantando para erguê-la.
Mas o segredo, amigos, é meu vinho
E minha estrela.
 
Podia, com os braços, destruir
A trajectória deste coração.
Mas sou de Alcácer Quibir
De El-Rei Dom Sebastião.
 
E assim, como em manhã de nevoeiro
– Manhã de Outono quando não de Abril –
Aqui vos deixo, oculto mas inteiro,
O meu perfil…
 
 
pedro homem de mello
o rapaz da camisola verde (1954)
poesias escolhidas
imprensa nacional-casa da moeda
1983




22 janeiro 2023

pedro homem de mello / rua do paraíso

 
 
De dia
Como seria?
 
Alguém me disse: - Era estreita…
Mas por mim julgo: - Era larga.
 
Tanta saudade hoje a enfeita,
Bela e amarga!
 
Cumpriu-se nela a promessa
Da raiz do coração.
 
Era uma rua de Leça,
Onde os outros nunca vão.
 
– A Rua do Paraíso…
 
E aquele nome foi posto,
No meu peito e no meu rosto,
Com água do teu sorriso.
 
 
 
pedro homem de mello
grande, grande era a cidade… (1955)
poesias escolhidas
imprensa nacional-casa da moeda
1983




24 novembro 2022

pedro homem de mello / cabra-cega

 



 

 

À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
… E foi a vida o seu jogo!
 
Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!
 
Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…
 
– E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!
 
 
 
pedro homem de mello
jardins suspensos (1937
poesias escolhidas
imprensa nacional-casa da moeda
1983