Mostrar mensagens com a etiqueta marianne moore. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta marianne moore. Mostrar todas as mensagens

19 janeiro 2023

marianne moore / poesia

 



 
Eu cá também não gosto: há outras coisas importantes além deste
                                                                             desconchavo.
     Quando, porém, a lemos, desdenhando-a por completo.
                                                                   achamos, apesar de
     tudo, nela um lugar genuíno.
          Mãos prestes a agarrar, olhos
          prestes a dilatar, cabelo prestes a eriçar,
               se for o caso, são coisas importantes não por via
 
de uma interpretação sonante que as possa moldar mas por via de
                                                                                       serem
     úteis. Quando se tornam tão derivativas que ficam
                                                                              ininteligíveis,
     o mesmo se aplica a todos nós, que
          não admiramos o que
          não podemos entender; o morcego
               que se sustém de cabeça para baixo ou que procura algo que
 
comer, os elefantes a querer passar, um ginete a rebolar, um lobo
                                                                                        incansável
     debaixo de uma árvore, o crítico impassível a crispar a pele
                                     como um cavalo mordido por pulga, o adepto
     de baseball, o estatístico –
          e não vale
               discriminar contra “documentos empresariais e
 
manuais escolares”; são todos fenómenos importantes. Há que
                                                                                          distinguir
     porém: quando enaltecidos pelos semi-poetas, o resultado não é
                                                                                             poesia;
     será só quando os poetas entre nós puderem ser
          “literalistas da
          imaginação” – sobre
               a insolência e a trivialidade, só quando puderem apresentar,
     a exame, jardins imaginários com sapos de verdade, é que ela será
          nossa. Entretanto, quando se exige, por um lado,
          a matéria-prima da poesia em
               bruto, a cru e,
               por outro, aquilo que é
                    genuíno, então é porque sempre interessa a poesia.
 
 
 
marianne moore
o pangolim e outros poemas
trad. margarida vale de gato
relógio d´água
2018


29 agosto 2022

marianne moore / a um caracol

 
 
Se “a compressão é a graça primordial do estilo”,
esse dom te assiste. Ser contrátil é, tal como
a modéstia, uma virtude.
Não é a aquisição de uma coisa qualquer
para fins decorativos,
ou a qualidade incidental que, circunstancialmente,
advém de algo bem dito,
o que apreciamos no estilo,
mas o princípio oculto:
na ausência de metro, “um método de conclusões”,
“um conhecimento dos princípios”
no curioso fenómeno do teu corno occipital.
 
 
 
marianne moore
o pangolim e outros poemas
trad. margarida vale de gato
relógio d´água
2018



12 dezembro 2019

marianne moore / o retiro do mágico




de mediana altura
(que eu vi)
fosco mas lá dentro luz
tal pedra da lua
enquanto fulgia um halo
de frecha de um estore
e um brilho azul do lampião
junto à porta de entrada.
Não dava razão de queixa,
nada mais para obter,
consumadamente chão.


Um maciço de árvores negras por trás
quase tocando as caleiras
com a nitidez de Magritte,
era sobretudo discreto.




marianne moore
o pangolim e outros poemas
trad. margarida vale de gato
relógio d´água
2018





06 fevereiro 2019

marianne moore / que contam os anos?





     Que conta a nossa inocência,
que conta a culpa? Tudo é
     nu, ninguém escapa. E vem de onde
a coragem: a pergunta sem resposta,
a dúvida decidida –
clamando muda, escutando surda – que
na desgraça, mesmo morte,
          os outros incentiva
          e quando sai vencida, agita

     na alma fortaleza? Sagaz
e feliz é aquele que
     aceita a mortalidade
e no cativeiro se ergue acima
da sua posição como
o mar face ao abismo, lutando
por ser livre sem poder,
          achando, na rendição,
          a sua resiliência.

     Condigno, pois, é aquele
que forte sente. Até o pássaro
      cantando se espevita
e todo se endireita. Embora cativo,
declara em canto firme
ser grosseira a satisfação,
ser tão pura a alegria.
          A mortalidade é isto,
          a eternidade é isto.




marianne moore
o pangolim e outros poemas
trad. margarida vale de gato
relógio d´água
2018