1912, 12 de março
No elétrico que passou
rapidamente estava sentado a um canto, a face contra a janela, o braço direito
estendido ao longo do encosto do banco, um jovem com o sobretudo desabotoado,
muito largo para ele, a olhar para o comprido banco vazio. Tinha ficado noivo
hoje e não conseguia pensar noutra coisa. O facto de estar noivo dava-lhe uma
sensação de conforto e com esta sensação ele olhava de vez em quando para cima,
para o tecto do carro eléctrico. Quando o condutor lhe veio vender o bilhete, encontrou
facilmente e no meio do tilintar de moedas a moeda exacta, com um gesto só
colocou-a na mão do condutor e pegou no bilhete com dois dedos que ele abria
como se fosse uma tesoura. Não havia nenhuma ligação verdadeira entre ele e o
carro elétrico e não teria sido uma surpresa se, sem ter usado a plataforma e
os degraus, ele tivesse aparecido na rua e tivesse ido no seu caminho a pé e
com o mesmo ar.
Só o sobretudo grande de mais
existia, tudo o resto foi imaginado.
franz kafka
diários (1910-1923)
trad. maria adélia silva melo
difel
1986