Pura? O que significa isso?
As línguas do inferno
São enfadonhas, enfadonhas como a língua
Tripla do enfadonho e gordo Cérbero
Que arqueja ao portão. Incapaz
De lamber como deve ser
O tendão febril, o pecado, o pecado.
O pavio chora.
O cheiro persistente
De uma vela que se apagou!
Amor, amor, os fumos evolam-se
De mim como os lenços de Isadora, estou com medo
Que um lenço se prenda à roda e fique lá agarrado.
Esses fumos amarelos e sombrios
Erguem o seu próprio elemento. Não vão elevar-se no ar,
Mas girar à volta do globo
A sufocar os mais velhos e submissos,
O indefeso
Bebé de estufa no seu berço,
A pálida orquídea
Que suspende no ar o seu jardim suspenso,
Leopardo demoníaco!
A radiação tornou-a branca
E matou-a numa hora.
A engordar os corpos dos adúlteros
Como a cinza de Hiroshima e a corroer.
O pecado. O pecado.
Querido, toda a noite
Trémula neste apagar-acender, apagar-acender.
Os lençóis ficam mais pesados do que o beijo de um devasso.
Três dias. Três noites.
Água com limão, água
De galinha, a água dá-me vómitos.
Sou demasiado pura para ti ou para qualquer outro.
O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna -
A minha cabeça uma lua
De papel japonês, a minha pele lustrada de ouro
Infinitamente delicada e infinitamente cara.
Será que o meu calor não te atordoa? Nem a minha luz?
A sós comigo sou uma camélia enorme
A brilhar e a ir e vir, a cada renascer.
Creio que vou subir,
Creio poder elevar-me -
As bolhas de metal quente voam, e eu, amor, eu
Uma virgem
De puro acetileno
Tratada por rosas,
Por beijos, por querubins,
Seja o que for que significam estas coisas cor-de-rosa.
Tu não, nem aquele
Nem esse, nem o outro
(Os meus egos dissolvendo-se, saiotes de puta velha) -
A caminho do Paraíso.
sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996