05 janeiro 2012

sylvia plath / 39º de febre






Pura? O que significa isso?
As línguas do inferno
São enfadonhas, enfadonhas como a língua

Tripla do enfadonho e gordo Cérbero
Que arqueja ao portão. Incapaz
De lamber como deve ser

O tendão febril, o pecado, o pecado.
O pavio chora.
O cheiro persistente

De uma vela que se apagou!
Amor, amor, os fumos evolam-se
De mim como os lenços de Isadora, estou com medo

Que um lenço se prenda à roda e fique lá agarrado.
Esses fumos amarelos e sombrios
Erguem o seu próprio elemento. Não vão elevar-se no ar,

Mas girar à volta do globo
A sufocar os  mais velhos e submissos,
O indefeso

Bebé de estufa no seu berço,
A pálida orquídea
Que suspende no ar o seu jardim suspenso,

Leopardo demoníaco!
A radiação tornou-a branca
E matou-a numa hora.

A engordar os corpos dos adúlteros
Como a cinza de Hiroshima e a corroer.
O pecado. O pecado.

Querido, toda a noite
Trémula neste apagar-acender, apagar-acender.
Os lençóis ficam mais pesados do que o beijo de um devasso.

Três dias. Três noites.
Água com limão, água
De galinha, a água dá-me vómitos.

Sou demasiado pura para ti ou para qualquer outro.
O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa Deus. Sou uma lanterna -

A minha cabeça uma lua
De papel japonês, a minha pele lustrada de ouro
Infinitamente delicada e infinitamente cara.

Será que o meu calor não te atordoa? Nem a minha luz?
A sós comigo sou uma camélia enorme
A brilhar e a ir e vir, a cada renascer.

Creio que vou subir,
Creio poder elevar-me -
As bolhas de metal quente voam, e eu, amor, eu

Uma virgem
De puro acetileno
Tratada por rosas,

Por beijos, por querubins,
Seja o que for que significam estas coisas cor-de-rosa.
Tu não, nem aquele

Nem esse, nem o outro
(Os meus egos dissolvendo-se, saiotes de puta velha) -
A caminho do Paraíso.




sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996




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