Chove muito, mais, sempre mais... Há como que uma
[…] que vai desabar no exterior negro...
Todo o amontoado irregular e montanhoso da cidade
parece-me hoje uma planície, uma planície de chuva. Por onde quer que alongue
os olhos tudo é cor de chuva, negro pálido.
Tenho sensações estranhas, todas elas frias. Ora me
parece que a paisagem essencial é bruma, e que as casas (é que) são a bruma que
a vela.
Uma espécie de anteneurose do que serei quando já
não for gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura
arrepia-me de dentro. Numa névoa de intuição sinto-me matéria morta, caído na
chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração actual.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.I
ática
1982
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