A leitura dos jornais, sempre penosa do ponto de
ver estético, é-o frequentemente também do moral, ainda para quem tenha poucas
preocupações morais.
As guerras e as revoluções — há sempre uma ou outra
em curso — chegam, na leitura dos seus efeitos, a causar não horror mas tédio.
Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os
que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na
alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa
inevitavelmente inútil. Todos os ideais e todas as ambições são um desvairo de
comadres homens. Não há império que valha que por ele se parta uma boneca de criança.
Não há ideal que mereça o sacrificio de um comboio de lata. Que império é útil
ou que ideal profícuo? Tudo é humanidade, e a humanidade é sempre a mesma —
variável mas inaperfeiçoável, oscilante mas improgressiva. Perante o curso
inimplorável das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos sem
saber quando, o jogo de dez mil xadrezes que é a vida em comum e luta, o tédio
de contemplar sem utilidade o que se não realiza nunca (...) — que pode fazer o
sábio senão pedir o repouso, o não ter que pensar em viver, pois basta ter que
viver, um pouco de lugar ao sol e ao ar e ao menos o sonho de que há paz do
lado de lá dos montes.
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.II
ática
1982
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