Não entendo estes poetas eruditos. Escrevem poemas
com teorias da poesia, usam conceitos da retórica, hermenêutica, linguística,
gostam de metaliteratura e auto-referenciação, filosofia (como não), mas apenas
das mais contemporâneas referências. Concretizam com elevada abstracção
temáticas abordadas em seminários e congressos, matérias complicadas que eles,
fluentes, vertem em alegorias, metáforas, hipálages, sinédoques. Praticam, além
disso, intertextualidade, hipertextualidade, transtextualidade (a que não
gostam de chamar comércio e propaganda, embora seja disso exactamente que se
trata), e cultivam aquilo a que se chama estilo, sabem vestir o manequim da
literatura tão bem quanto a si mesmos. Impressionante é a cultura que exibem,
cinco minutos bastam para se comprovar que leram quase todos os grandes livros
(quase é aqui eufemismo ou antífrase, subtilmente litote, ironia não é
decerto), isso mesmo é manifesto em todos os planos da autoria que vão da obra
à entrevista, sem esquecer a rádio e a televisão e, com abnegada dedicação, as
feiras e os festivais, nacionais e internacionais. Que acrescentar? Somos todos
pequenos ao pé deles, não adianta iludi-lo. Aquilo é discurso de gente que sabe
o que nós nem entrevemos e somente eleitos podem alcançar. Adivinha-se-lhes o
contido sorriso envolvido numa calma superior, uma aura de perscrutação que o
olhar profundo amplia. O enigma é que nem esse sorriso, nem essa calma, nem a
perscrutação, nem o olhar, nem sobretudo o que por detrás se agita e comanda,
são algumas vezes escritos. Em vez disso, lá vem outra figura de estilo, outra
teoria implícita, outro reenvio. Nada tenho contra estes poetas eruditos. Mas cansa-me
ler e não perceber, consultar dicionários, enciclopédias, monografias da
especialidade, e quando por fim percebo, ou julgo que percebo, continuar sem
perceber onde queriam chegar com tão elaborado dizer. Bem sei, não sou
propriamente um erudito. Faltar-me-á até um pouco de ambição (dessa que o
pragmatismo dirige), e perderei tempo que não devia em esforços e minúcias
difíceis de explicar. Seja como for, escapa-me o sentido. Querem ser amados? É o
que todos queremos. Querem ser reconhecidos? Absolutamente justo. Pergunto-me
apenas se será para tanto preciso ser-se erudito? Nada tenho contra estes
poetas eruditos. Mas a vida, estou em crer, é coisa bem mais simples. Nela
escrevo a tinta morte a verdade de um só homem. Letra a letra, cada traço, cada
ponto, deste rosto em que me sou.
jorge roque
o martelo
edição do autor
2012
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