«Hoje é um dia como os outros».
Nunca pude esta frase banal
e porém, talvez não igual às outras
– escrita deixada a meio, descoberta
devorada plo tempo que se evola
à medida que mais se aproxima - «tão perto»
mas agora «tão longe» de ti. Rafaella,
agora que também eu posso ter
isso a que toda a gente chama um nome
próprio: Ralf Rahab, ou melhor, Karl Engel.
Hoje não foi um dia como os outros:
já consigo sentir latejar
o sangue sob a pele,
desenhar o arco-íris, ceder
às tentações do Tempo, que bebe comigo
– ele mesmo, é verdade! –
até de madrugada. Rafaella,
segreda-me ao ouvido qualquer coisa,
não me deixes aqui, assim, perdido,
sujeito a leis que nunca foram minhas,
à tirania estúpida e universal
dos pequenos rectângulos de
papel
onde sorri tranquila a Clara Schumann.
Amanhã não será um dia como os outros:
irei salvar de novo uma criança
e depois, Rafaella, nos teus braços
voltarei a escutar, ainda mais pura,
a voz silenciosa da eternidade.
fernando pinto do amaral
às cegas
relógio de água
1997
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