Lá bem no fundo está a morte, mas não tenha medo. Segure
o relógio com uma mão, com dois dedos na roda da corda, suavemente faça-a
rodar. Um outro tempo começa, perdem as árvores as folhas, os barcos voam, como
um leque enche-se o tempo de si mesmo, dele brotam o ar, a brisa da terra, a
sombra de uma mulher, o perfume do pão.
Quer mais alguma coisa? Aperte-o ao pulso, deixe-o
correr em liberdade. Imite-o sôfrego. O medo enferruja as rodas, tudo o que se
poderia alcançar e foi esquecido vai correr as veias do relógio, grangrenando o
frio sangue dos seus pequenos rubis. E lá bem no fundo está a morte se não corrermos e chegarmos antes para compreender
que já não interessa nada.
júlio
cortázar
histórias de
cronópios e de famas
manual de
instruções
tradução de alfacinha da silva
editorial estampa
1973
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