14 agosto 2013

al berto / vestígios



noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras

hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se

onde se pode - num vocabulário reduzido e
obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir

apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial



al berto
horto de  incêndio
assírio & alvim
1997



2 comentários:

Os pecáveis disse...

Este é dos melhores poemas que já li. Belíssimo livro.

Lídia Borges disse...


Al Berto acende as palavras e fá-las arder na dor nunca confessada.
É uma poesia densa que se entranha na pele e não nos larga.


Lídia