O certo é que eu ia de um lado para o outro,
Às vezes chocava com as árvores,
Chocava com os mendigos,
Abria passagem através dum bosque de cadeiras e mesas,
Com a alma num fio via cair as grandes folhas.
Mas tudo era inútil,
Cada vez me afundava mais numa espécie de geleia;
As pessoas riam-se dos meus arrebatamentos,
Os indivíduos agitavam-se nas suas poltronas como algas movidas
pelas ondas
E as mulheres dirigiam-me olhares de ódio
Fazendo-me subir, fazendo-me descer,
Fazendo-me chorar e rir contra a minha vontade.
De tudo isto resultou um sentimento de asco,
Resultou uma tempestade de frases incoerentes,
Ameaças, insultos, juramentos que não vinham ao caso,
Resultaram uns movimentos desgostantes de ancas,
Aqueles bailes fúnebres
Que me deixavam sem respiração
E me impediam de levantar a cabeça durante dias,
Durante noites.
Eu ia de um lado para o outro, é verdade,
A minha alma flutuava nas ruas
Pedindo socorro, pedindo um pouco de ternura;
Com uma folha de papel e um lápis entrava nos cemitérios
Disposto a não me deixar enganar.
Dava voltas e voltas em torno do mesmo assunto,
Observava de perto as coisas
Ou num ataque de cólera arrancava os cabelos.
Desse modo fiz a minha estreia nas salas de aula,
Como um ferido por uma bala arrastei-me pelos ateneus,
Transpus o limiar das casas particulares,
Com o fio da língua procurei comunicar com os espectadores:
Eles liam o jornal
Ou desapareciam atrás de um táxi.
Para onde ir então?
Àquela hora o comércio estava fechado;
Eu pensava num pedaço de cebola que vira ao jantar
E no abismo que nos separa dos outros abismos.
nicanor parra
a tradução de poesia
relâmpago, revista de poesia nº
17
trad. albano martins
outubro 2005