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08 agosto 2024

ilka brunhilde laurito / lamentação de natércia

 
 
II
 
Corpo meu, tão gentil, tão malferido,
partido e repartido nos transvios,
que repouso terás no chão da vida
se Amor te mata assim dia-após-dia?
 
Ainda se a morte fora só alegria
do reencontro dos amantes idos,
eu ia rindo empós esta agonia
a reviver os rostos hoje findos.
 
Mas obscuro é o claro fim, e eu fico
a carrear-te, corpo sempre aflito
entre a fome diária e a infinita.
 
Corpo meu, alma minha, quem diria
o que é a carne e o que seria o espírito
quando o Amor, gentil, une o indiviso?
 
 
 
ilka brunhilde laurito
colóquio letras nr. 90
março 1986
fundação calouste gulbenkian
1986
 



17 janeiro 2024

ilka brunhilde laurito / lamentação de natércia

 
 
I
 
Os corpos dos varões idos e amados
que aportaram a esta praia solitária
vindos de navegar mulheres várias,
em naus de desventura naufragados,
não os cobrirei com a água dos meus olhos
para esculpir com sal estátuas mortas,
antes farei que ancorem na memória
onde meu canto lhes dá vida e volta.
 
E a todos chamarei AMOR, que o nome
é o anónimo cantar de um mesmo homem.
 
 
 
ilka brunhilde laurito
colóquio letras nr. 90
março 1986
fundação calouste gulbenkian
1986