Desconfio que as tias,
descidas de Amarante
para viverem na Foz,
saberiam da minha gula
por que ia visitá-las alternadamente,
e também deveriam calcular
que, a um puto insubmisso,
dono de várias fisgas,
teria de adoçar-se a boca
de vez em quando
com moedas de dez tostões;
ou então condoíam-se do meu destino
e do fado da minha mãe,
que viera com elas das margens do Tâmega,
mais os seus papos-de-anjo.
De qualquer modo,
continuava a ser um puto,
senhor de várias fisgas,
guerrilheiro contra a injustiça
e a ternura adversa
que julgo nos unia, a mim, à minha mãe
e às minhas alternadas tias.
Com esses dez tostões,
conseguia comprar um croissant
e ainda um pão-de-leite
na Tavi da Senhora da Luz.
A diferença agora é que,
trazendo ainda fisgas,
não tenho quem me dê os dez tostões,
as minhas tias morreram
e os croissants e
pães-de-leite
custam quarenta vezes mais
e não os acho bons.
nuno dempster
nervo/12
colectivo de poesia
setembro/dezembro 2021