Mostrar mensagens com a etiqueta roger wolfe. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta roger wolfe. Mostrar todas as mensagens

17 março 2024

roger wolfe / boa nova, velha nova

 


 

 
Um novo
mandamento
vos dou:
 
amai-vos
a vós mesmos,
porque já nem deus
o fará.
 
 
 
roger wolfe
fazer o trabalho sujo
tradução de luís pedroso
língua morta
2020





15 abril 2022

roger wolfe / dias sem pão

 
 
Sexta-feira, e chamam-lhe Santa.
As ruas estão desertas. Paz.
Acabou-se o pão e está tudo fechado.
Levantei-me às sete da matina
para me atirar ao trabalho.
São dez e meia e brilha o sol
sobre um céu muito azul
lacerado pelos gritos das gaivotas.
Segundo a rádio, Espanha
já começou a arder.
 
 
 
roger wolfe
fazer o trabalho sujo
tradução de luís pedroso
língua morta
2020



 

01 abril 2022

roger wolfe / há gente

 
 
Há gente que acredita que está viva
porque lê jornais e faz amor
com a mulher duas vezes por ano, ou por mês
ou por semana,
e toma café com os amigos
e sonha pertencer a alguma máfia.
Há gente que acredita que está viva
porque se levanta todos os ias às seis
da madrugada, para se arrastar para o trabalho,
e fuma um cigarro
e comenta o jogo de ontem
ou o último escândalo político
com os colegas. Há gente
que acredita que está viva porque tem um carro,
um apartamento e duas dúzias
de camisas e uma firme opinião
acerca de quem deveria governar este país.
há gente que acredita que está viva
porque vai tirando cursos por correspondência,
acorre a carimbar a declaração de desemprego,
chuta pr´á veia ou snifa coca ou sai para tomar
um copo ou levar no cu ao fim-de-semana,
vai ao cinema, liga a televisão,
fala ao telefone ou abre uma nova conta bancária.
Há gente que por estas coisas e algumas outras,
– quaisquer umas que queiram –
acredita que está viva e, o que é pior:
que tem algum direito à vida.
 
 
 
roger wolfe
fazer o trabalho sujo
tradução de luís pedroso
língua morta
2020




 

17 setembro 2021

roger wolfe / para lado nenhum

 
 
Os reformados falam em tromboses
nos autocarros
ou esperam pelo fim
nos bancos dos jardins públicos,
entre excrementos de pombo e seringas
ensanguentadas,
ou interpelam-me na rua
diante de montras de electrodomésticos
para me pedirem as horas
e me perguntarem qual a raça do meu cão.
São cinco da tarde e tudo
na cidade tresanda a morte.
Sei que é inútil. Chegar a casa,
sentar-me ao computador e redigir
quinze ou vinte linhas, que importa,
esta espécie de salvo-conduto
para lado nenhum.
 
 
 
roger wolfe
fazer o trabalho sujo
tradução de luís pedroso
língua morta
2020