Para sair deste íntimo deserto
é preciso saber que não tem saída.
Esperar, caminhar, desesperar,
cultivar a paciência até perdê-la
quando todo tu sejas já pura paciência.
É preciso sentir que o deserto és tu mesmo,
recordar com irónica ternura
aqueles dias só agora felizes
em que tivemos fé nas miragens.
Já não há mais coração do que aquele que ardeu.
Não há maneira nem água nem amanhã
nem oriente nem ocidente. Não há estrelas
que te digam onde, que te indiquem
messias ou saídas que não existem.
Até que um dia encontres
diante de ti as tuas pegadas de outros anos
e compreendas que chegaste ao teu passado,
que já estás onde estavas,
que morrerás de sede.
Olha na areia
as sombras dos abutres que julgavas gaivotas.
juan vicente piqueras
instruções para atravessar o
deserto
trad.joão duarte rodrigues
e manuel alberto valente
assírio & alvim
2019