Não sou um indignado. Sei que o mundo passa
bem sem mim – o que é justo e me assinala a grande liberdade.
Procuro manter a dignidade, estou a envelhecer e no entanto
pronto a começar. Afinal está provado o sem sabor de tudo
– a não ser daquilo que começa, do que é inicial,
ou seja, desde sempre. Aí regresso a horas repentinas
muitas vezes entre um desencontro e o café.
Isso é terrível e procuro manter a dignidade.
Foi numa dessas horas que descobre que Deus
não passa bem sem mim – o que não me indigna
e também não me alivia da grande liberdade. Afinal
ser homem para Deus é o sabor inicial.
carlos poças falcão
sombra silêncio
opera omnia
2018
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