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04 novembro 2024

marcos foz / enublado dizes



 

[…]
 
«é sempre numa casa que estamos
sós» lembra-nos de raspão
rosto mal conhecido, desenhado
a linhas de carvão dos que não
se deixam conhecer; e o cultivo
do nosso dia, «modesto ameaçado
ajardinado» é mister dos que
caminham alheios a tudo, hagiografia
minada de gentis corruptelas – suaves
raparigas indomáveis rapazes,
degrau a degrau, entre síncopes e
bailaricos, enverdecido mergulho, actuando
nas formas que tombam para o lado
da noite, sagrada conspiração lusófona,
louvadas sejam as linha do que a mim
se encosta e respira, estafetas do recomeço
apontando a saída de emergência ao
longo do inominável, meus terraços a meia
altura, astrolábios necessários pajens
amantes do acaso, remendos
acrescentos, faúlhas que despertam o ouvido
deste vosso ridículo príncipe das nuvens
coroado a carências e sinais de faroleiro
 
[…]
 
 
 
marcos foz
enublado dizes
edição do autor
2024
 




 

25 agosto 2024

leonor castro nunes e marcos foz / a bifurcação dos ossos

 
 
 
6.
 
Um poema é uma coisa muito pouca
quando o termo de comparação é uma bicicleta, um chão de terra batida
e umas pernas que esqueceram a preguiça há duas ruas atrás.
 
Já é sabido o problema dos triângulos no que toca à antropologia.
O dois é o número dos mínimos agradáveis
condescendente com a exploração das pérolas e das flores nocturnas
que se vão encontrando por engano no peito dos pais
e nas mãos dos matemáticos.
 
Um poema é uma coisa muito pouca
para quem anda indeciso entre os números e a hermética,
os sonhos e os tremores, as palavras e o suicídio,
uma criança triste e a felicidade de uma espécie inteira.
 
 
 
leonor castro nunes
e  marcos foz
a bifurcação dos ossos
do lado esquerdo
2016
 



24 fevereiro 2023

marcos foz / arca e usura

 
[…]
 
chegar a terra incógnita e
de mãos apertadas atrás das costas
explicar a nós mesmos que daí adiante
acabaram os desenhos no trilho poeirento
 
é tempo de tirar os açaimes às ideias
que moldam o caminho e de começarmos
a iniciação ao labor da batota espreitando
um pouco mais pelo limite da venda
 
com os sapatos a espelharem a barbárie
de quem se perdeu propositadamente
um moleiro apanha-nos entre a sombra
do moinho e o toque das buganvílias
 
pergunta-nos o ofício
e cegos de sol não temos oferenda convincente
até que o velho pergunta se somos poetas
que é hábito irem ali alguns amigos da sua filha
 
um rebuçado-surpresa invade-nos o palato
como se durante o sono nos enchessem a
boca de sargaço respondemos que não muito obrigado
– espero somente o vento certo para continuar
 
 
 
marcos foz
arca e usura
edição do autor
2019





 

05 junho 2021

marcos foz / vir ao mundo nesta casa sem tecto

 
 
[…]
 
vir ao mundo nesta casa sem tecto
decreto lei súmula
será? Calibrar
nosso papel no arranjo
e só avisam quando a evasão
se ergue no papel vegetal e
a cidade pela noite com as suas mil e
duas patifes donzelias por decifrar
antros vorazmente escondidos
umas horas antes do toque das campainhas
oficiais a marcha das botas com
restos difíceis de cúpula nas reentrâncias
           & vigilantes em cada esquina
 
pouco importa termos um corpo que
falha amavelmente alguém que diz
querer morrer uma memoria apertada
num canto coberto a linho
branco que nenhuma navalha ou carimbo..
 
[…]
 
 
marcos foz
vaca preta
bestiário/snob
2021






 

04 julho 2019

marcos foz / arca e usura


[…]
mil cambalhotas para
acabar com um anzol preso aos beiços
– alguns anos são assim –
todos os músculos ferozmente retesados
alguns relatos que nos chegam da tv
tsunamis e terramotos e a nossa cabeça
furiosa pelo trabalho da imobilidade na sua preocupação

alguns anos são assim
por vezes largam-nos de novo no charco
com uma pequena mancha vermelha a servir
de testemunha outras vezes (sad sad song)
puxam até à surpresa e deformidade

& como árvore que amadurece os seus frutos
no centro de quatro paredes em ruínas
finjo que tudo vai bem no que me rodeia
ignorando o declive da paisagem
ou a excursão de bárbaros sedentos
por sujarem um pouco mais o nosso baldio

[…]


marcos foz
arca e usura
edição do autor
2019







15 março 2019

marcos foz / arca e usura





[…]
penso no dedo de Montaigne
quando aponta para esse trilho onde as ideias
não conhecem somente a direcção do futuro
imito as ideias para salvar o texto
dou passos atrás pelo susto da demora
desato a correr e rompo a quietude das folhas
rasgo olhares aos velhos pendurados à janela
e ofegante encontro o grande granito que marca o centro

[…]



marcos foz
arca e usura
edição do autor
2019





20 junho 2018

leonor castro nunes e marcos foz / a bifurcação dos ossos




26.

I wonder about the love you can´t find
And I wonder about the loneliness that´s mine
isto num colchão a mil quilómetros
de lonjura perdoável.

Mais fósforo menos fósforo
e um dia fica só o lugar da cama
onde amámos a passagem da luz
de ponta a ponta
e fomos amealhando o crédito
a julgar que nos bastaria para tanto;
um gelado de baunilha um concerto nas escadas
de uma cidade que nos recebesse.



leonor castro nunes
e  marcos foz
a bifurcação dos ossos
do lado esquerdo
2016









27 dezembro 2017

leonor castro nunes e marcos foz / a bifurcação dos ossos



12.

Sou vadio demais para pertencer à glória histórica,
mas conheço de cor o cheiro do sal
e nos meus pulmões nasceu uma flor vinda do pó
demasiado frágil para aguentar os labirintos subterrâneos
que desenhei.



leonor castro nunes
marcos foz
a bifurcação dos ossos
do lado esquerdo
2016









13 setembro 2017

leonor castro nunes e marcos foz / a bifurcação dos ossos





4.

O Não Sei é uma ultrapassagem perigosa
para quem anda entre o terceiro copo e o primeiro charro
onde a cinza arde vinte e quatro vezes por segundo
batida por dois alunos medíocres.

A vontade de aprender não pode ser ensinada
e eu que não sei nada adivinho
a professora de matemática assassinada
e os números e suas raízes partem em solene procissão

como os velhos que pagam promessas não se sabe a quem.



leonor castro nunes
e  marcos foz
a bifurcação dos ossos
do lado esquerdo
2016