POESIA
Aquilo que o poema nos mostra não o vemos com os nossos olhos de carne
mas com os do espírito.
Os sentidos são e não são deste mundo.
Por eles, a poesia traça uma ponte entre o ver e o crer.
Por essa ponte a imaginação adquire corpo e os corpos tornam-se
imagens.
A poesia erotiza a linguagem e o mundo porque ela mesma é já erotismo.
Religião e poesia vivem em contínua osmose.
EROTISMO
O erotismo é uma poética corporal e a poesia é uma erótica verbal.
O erotismo não é mera sexualidade animal: é cerimónia, representação,
sexualidade transformada: metáfora.
Sexo, erotismo e amor são aspectos do mesmo fenómeno, manifestações
daquilo a que chamamos vida.
O mais antigo dos três, o amplo e básico, é o sexo. O sexo é o centro e
o fulcro desta geometria passional.
O erotismo é exclusivamente humano.
O erotismo é invenção, variação, incessante; o sexo é sempre o mesmo.
Dupla face do erotismo: fascinação diante da vida e diante da morte.
O erotismo é, antes de tudo e sobretudo, sede de ser outro. E o
sobrenatural é radical e supremo ser-se outro.
O sentido religioso de um poema como o Cântico dos Cânticos não pode
separar-se do seu sentido erótico profano:
são dois aspectos da mesma realidade. Nos místicos sufis é frequente a
confluência da visão religiosa com a erótica.
A comunhão é comparada às vezes com um festim ente dois amantes no qual
o vinho corre com abundância.
Ebriedade divina, êxtase erótico.
AMOR
A transgressão, o castigo e a redenção são elementos constitutivos da
concepção ocidental do amor.
O amor é uma atracção para uma única pessoa: para um corpo e uma alma.
O amor é escolha; o erotismo, aceitação.
Sem erotismo, não há amor, mas o amor atravessa o corpo desejado e
busca a alma no corpo e, na alma, o corpo.
A pessoa inteira.
A ideia de encontro entre dois amantes exige dois condições
contraditórias: predestinação e escolha.
O sexo é a raiz, o erotismo é o caule e o amor a flor.
E o fruto? Os frutos do amor são intangíveis. Este é um dos seus
enigmas.
O amor é um nó no qual se atam, indissoluvelmente, o destino e a
liberdade.
No amor aparece o mal: é uma sedução mórbida que nos atrai e nos vence.
Há muitos anos escrevi: o amor é um sacrifício sem virtude;
hoje eu diria: o amor é uma aposta, insensata, pela liberdade. Não a
minha, a alheia.
octavio paz
a chama dupla: amor e erotismo
trad. josé bento
assírio & alvim
1995